Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas (Feira de São Cristóvão)

- Vejo que não estou sozinha nos meus raciocínios, apesar de não tê-los verbalizado. - ela respondeu, olhando diretamente nos olhos do brujah. Refletia sobre o próximo passo, as próximas palavras que utilizaria. - Mas sim, os nosferatu se acham príncipes, donos da cidade e plenamente capazes de controlar a crise.

Ela deixou escapar um pequeno sorriso de canto de rosto, que logo se desfez.

- Tudo indica que acreditam ser capazes disso com a cooperação das outras famílias da camarilla. Dificilmente qualquer um dos grupos existentes e que se abrigam sob esse manto tem condições de, sozinhos, enfrentar lobos e sabbat. O que Linda, como relações públicas de François Carlent, quer é centralizar os esforços de todas as famílias e emergir como a nova Sassa Mutema, se é que me entende.

Ela riu, dessa vez abertamente, após perceber que diante de tudo o que tinha falado, Uther Bergman se prendeu em um detalhe: quem era Sassá Mutema. A risada da toreador não foi da ignorância do brujah, mas de sua própria ineficácia ao utilizar de uma referência à qual o seu interlocutor não tivera acesso.

- Foi um personagem de uma novela brasileira.... um aparentemente ingênuo agricultor que conquistou um espaço político considerável, mostrando que de ingênuo não tinha nada. Na verdade a posição dos nosferatu é oposta à de Sassa. Os poderosos de Tangará queriam usa-lo para manter o poder, como testa de ferro. Por pensar com a cabeça própria, Sassa escapou das armadilhas que lhe prepararam e foi aclamado o Salvador da pátria! Guardados os contextos Sassa foi como Virgulino no Sertão e Francisca nas minas.

- Não um daqueles sem possibilidade de raciocínio, mas alguém com tal familiaridade com o ancião que age como se fosse um espelho dele, por proximidade histórica. Por opção e por mentalidade coincidente, não apenas como um empregado. Sim, eu acredito. - ela respondeu com a segurança de alguém que tinha refletido muito antes de verbalizar aquele pensamento.

'- Eu acredito em parceria... e muito longa...' - comenta Uther no momento em que Lampião entra pela sala meio apressado e já falando:

'- Que diacho de confusão é essa qui arrumaram na minha feira???' - Fala olhando para Xica. Não parecia de bom humor.

- Uma parceria muito antiga, para benefícios mútuos. - ela repetiu, como se refletisse a respeito disso. Não imaginava que a nosferatu pudesse ser velha da forma como o comentário de Bergman sugeria. Não teve tempo de completar o seu próprio raciocínio, uma vez que Lampião se aproximou. Voltou-se para o cangaceiro, com o rosto diretamente voltado em direção a ele, dizendo.

- Devo todas as desculpas possíveis e impossíveis, por ter provocado a confusão, Lampião. Não foi de propósito. Estava acostumado com ambientes diferentes e acabei utilizando o mesmo recurso libertário demais para a Feira de São Cristovão. Diga como poderei me desculpar!

- Não acontecerá de novo, cangaceiro. - A toreador usou com Lampião o adjetivo que melhor o caracterizava, assim como ele tinha feito com ela. a rispidez era patente na voz do nordestino, mas Uther Bergman parecia disposto a amenizar o mal entendido.

- Não mesmo, Uther. Apesar de ter cometido tamanha descortesia, jamais pensaria em forçar os brujah a entregar-me seus domínios. Não usaria de circunstância que provocou a morte de um dos seus para envereda-los em um caminho que pudesse culminar na perda da Região Portuária.

- E é isso que eu quero. Uma antiga, que ainda não é antiga, mas que trará benefícios mútuos. Ambos, a nosso tempo, lutamos pelos mais fracos. Pelos que eram oprimidos Lampião. Você com a força das tuas armas, com teus cabras pelo sertão. Eu com o quebrar dos meus quadris e com a suavidade de minhas palavras. Uther, com seus próprios recursos, suas próprias armas em terras além-mar.

- E, em que momento, eu usei o nome da minha família, dizendo que os toreador não fariam isso? - ela continuava sorrindo, continuava com uma tranquilidade que chegava a ser voluptuosa. - Disse que essa negra aqui, Xica da Silva, não faria isso. Falei por mim, pela minha própria individualidade. Como posso provar que essa é a verdade?

Ela parou um instante, levantou-se e caminhou pela recepção. Não rebolava, não era naquele instante a serpente sinuosa que evocava o pecado.

- Não posso provar, mas talvez tenhamos um caminho discreto para agir. Não falei com nenhum outro cainita dessa cidade, de forma alguma, nesse sentido. Antes de conversar com aqueles que pertencem ao meu sangue, vim até aqui, na Feira de São Cristovão por conta do seu idealismo, Virgulino. E em memória de Maria Bonita, mulher arretada, que infelizmente não está mais entre nós.

Ela abriu a bolsa e de dentro dela retirou um envelope, pardo e lacrado. Colocou-o sobre a mesa.

- Vejam só o que tem dentro desse envelope. Tenho certeza que não vão ficar decepcionados. E talvez percebam que não sou apenas mais uma Rosa, embora tenha espinhos.

Dentro do envelope as fotos do massacre na Cidade de Deus, provocado por Guille França. Secretário do clã toreador e primogeno.

Sequer esboçou qualquer reação ao ser erguida por Lampião. Não tinha capacidade física para escapar do brujah e não poderia utilizar de seus poderes mentais para influencia-lo. Era contra isso que ele lutava, contra isso que ela própria talvez lutasse. Caminhos a percorrer, mentes a conquistar. Um passo de cada vez e, demonstrar fragilidade. Alguém mais frágil do que ela naquele momento? Devendo aos brujah, por ter se alimentado no território deles. Recebida daquela forma, com ironias e dúvidas. Se viessem certezas é que ela teria que se preocupar.

Abaixou a cabeça ao ser deixada no chão. Não ‘conseguiria’ olhar nos olhos de Uther, nem de Lampião.

- De quem eu ouvi, ainda essa noite, que essa corte não existe, Uther? – usou apenas essa frase, sem prosseguir na argumentação. Poderia falar a respeito do assunto, mas achava que era melhor permanecer assim.

- Os tremere precisam de algo além do que já fizeram, Lampião? Um deles sequestrou dois bebês de uma maternidade, diante das câmeras. Já meteram os pés pelas mãos, publicamente. Ventrue e nosferatu ainda não fizeram nada do tipo, mas quem sabe?

Ela parou de falar, podia perceber o risco que corria. Mas não se podia ganhar sem que jogasse. Aparentemente ali estavam na mesa todas as cartas da negra, mas não. Havia uma palavra, um grupo que estava por trás dela. Esse permaneceria onde estava. Não podia contar com mais do que tinha. Talvez pudesse duvidar do líder da Legião, mas o espetáculo que ele havia mostrado para a vampira, de camarote, da tensão na Floresta da Tijuca, lhe ganhara a confiança mais do que qualquer outra coisa.

- Se fosse tão simples assim eu poderia, muito bem, entregar essas fotos nas mãos de Wilson, Carlent ou um dos nosferatu. Se eu quisesse poder por poder, não acham que provar fidelidade àqueles que governam seria mais fácil? E o mesmo posso dizer a ambos. Vocês ganhariam muito se me entregassem ao principado. Uma toreador querendo conspirar. Pelo menos um pouco cresceriam aos olhos daqueles dois anciãos.

A toreador olhava, perdida para o espaço, como se refletisse a respeito de algo.

OFF: Não consegui postar direito com Xica, aí fiz um postezinho só pra não ser punido. Hj a noite, quando chegar em casa do curso, faço um post decente.

Os olhos dela permaneciam impassíveis quando se recuperou do transe em que tinha mergulhado. Não havia escutado muito bem o que Uther e Lampião comentaram, mas tentou recuperar o fio de seu próprio raciocínio.

- Stevie Armstrong só se tornou primogeno do clã brujah porque Lampião não tinha interesse na posição, ou estou mentindo? - ela respondeu de forma direta, observando para o cangaceiro. - Se o discurso não é sobre a corte, mas sobre os clãs e seus poderosos membros eu não pensaria em outra possibilidade de aproximação com os brujah se não fosse através de Virgulino. Se eu quisesse peões da Jyhad talvez sim, eu tivesse procurado Armstrong antes de falar com Lampião. Se eu quisesse peões, não me colocaria diante de Lampião como estou me colocando. Falaria nesses termos com Uther Pendragon, se eu quisesse peões?

Deu de ombros, virou as costas. Não recolheu os envelopes, mas se preparava para ir embora. Estacou. Voltou-se novamente na direção de Uther e depois na de Lampião.

- Peço desculpas por tomar o tempo de vocês. E, especialmente, Lampião, peço desculpas por ter provocado a confusão que provoquei na Feira de São Cristovão. Garanto que isso não voltará a ocorrer.

Em silêncio, ela despediu-se dos brujah! Não havia muito mais o que fazer, embora a isca estava jogada. Teriam feito jogo de cena? Não sabia se Lampião era desses, mas pelo que ela tinha ouvido de Uther Bergman era capaz da ação dele ter sido apenas para analisar a movimentação de Xica. Agora deveria esperar.