Hotel Glória - bairro da Glória

- Desculpe-me senhorita... Silva... – era assim que havia ouvido Vincet a chamar – Ainda novo com o idioma... Me adaptando ao Português... – manteve o sorriso gentil para ela mas ainda tinha os olhos sobre Vincent que terminou  ao receber dele um sorriso quase receptivo. – Nunca disse que arte não é algo sério....
“Não que eu considere uma apresentaçãozinha para apaziguar egos como arte...” pensava enquanto falava
- Apenas que a reunião tem outros assuntos sérios que merecem atenção, como a nossa sobrevivência... E sem existir, não há como se produzir arte. – sorri a ela quase galante – E seria uma lastima privar o mundo da existência de beleza como a sua. Ou como a todos por aqui...
Enquanto a discussão se acalora sobre um incêndio que Henry nem tem ideia direito do que se tratava, o jovem discretamente pegava o arco do violino e se ajeitava. Tinha tomado o sorriso de Vincent a ele como uma permissão e as palavras adocicadas de Xica como um tipo suave de provocação. Além disso, a discussão parecia pender para cima da mulher negra rebolante. Uma boa música ali daria clima, poderia apaziguar um pouco os ânimos (ou não) e ainda mostrar a que o coreano havia vindo ali como uma resposta a Xica em atos. As palavras de Victoria apenas deram mais força ao ato que o jovem estava preste a começar.
Deu início, então, a execução do que planejava, 'Tico-tico no fubá'. Propositalmente aumentou um pouco a velocidade e ritmo da música, e dava ênfase nos agudos para realçar os tons mais alegres dela. Batia o pé no chão marcando a música e tendo assim algo que lhe servisse como uma base de percussão. Aquilo não era um samba, não era uma bateria, mas daria a Xica o que ela queria, a nuance vívida e alegre do samba no violino. E, claro que aquilo também lhe era lhe serviria para mostrar a Victoria que ele estava apto as idéias que discutiram antes sobre Mary Love.
Não levou muito tempo para todas as idéias sobre a reunião, Xica, Vincent e Victoria, sumirem e ele ser absorvido pela música que executava. Uno com o violino, nos movimentos impecáveis e no vibrar das cordas ao contato com o arco. Produzir a música era sua única meta. O som ecoava pela sala.
Só após finalizar o último acorde, que o jovem pode voltar sua atenção ao que corria em volta.  E sentou-se de novo na poltrona como se nada tivesse ocorrido voltando a lentamente guardar o violino na mala. Porém aos mais atentos era possível notar um leve sorriso satisfeito na face.


((OFF:  Performance de Violino – rolagem feita – 4 sucessos))
(( Tico tico - David Garrentt ‘bora’ ouvir musiquinha só pra entrar no clima hehehehe ))

Primeiro eu, depois Bruno, Victoria. Algo não estava muito certo ali naquela reunião, na verdade achava que alguns escondiam coisas do clã que seriam importantíssimas. Talvez tão importantes que poderia colocar um dos seus no trono do Rio de Janeiro e mudar a cadeia de eventos atual. Bateu com seus dedos no braço da poltrona, como que analisando todos e todas as palavras ditas naquele recinto. Ao mesmo tempo em que pode ouvir a maravilhosa música tocada de forma fenomenal pelo sobrinho.

Entrelaçou os dedos das mãos por um instante, enquanto apreciava a bela música de Henry e depois que a música terminara, sorriu ao sobrinho e bateu palmas pela apresentação, proferindo:

-Magnifique monsieur Sung. Magnifique. Espero ouvir e ver suas performances mais vezes. Estava fantástico.

O jeito com que Henry tocava, marcava os passos e emitia os sons do violino eram muito bons. Na verdade eram dignos de um artista de primeira classe. Aquela música tentou apaziguar o que Vincent estava sentindo no momento e conseguiu fazê-lo. Olhou para Xica novamente e comentou:

-Parece-me que não é somente monsieur Modenesi que está vendo pelo em ovos. Não é mesmo?

Sorriu brevemente, como a um pai que busca o que a filha está escondendo durante o jantar de sexta.

-Não está preocupada com o seu sangue que está em poder dos Tremeres. Tem informações privilegiadas a respeito de quem atacou a Floresta da Tijuca. Nos revele, mademoiselle da Silva, de quem conseguiu as informações do incêndio?

A própria Victoria dera mais corda para que a toreador pudesse falar, mas não achava que deveria dizer naquele momento. Não sem que houvesse som o suficiente para isso. Sorriu para a lenda do clã. O coreano não tinha dito que música não era assunto sério? Havia problema de semântica nas palavras dele. Talvez, pelo fato de ser recém chegado à cidade e ao país. Mas um vampiro, especialmente um toreador, não podia se deixar cair em armadilhas de linguagem.

- Eu poderia perguntar o mesmo a respeito das informações a respeito de Mary Love, meus irmãos. Não que eu queira, de forma alguma, me comparar à Victoria Ash. - ela respondia durante o concerto proporcionado pelo oriental. - Mas acho que se estamos reunidos é importante que saibamos o quanto pode ser dito e o quanto pode ser sugerido a cada instante.

Ela rodopiava pelo salão, sambando sobre os saltos agulha. Caminhava com suavidade e aproximou-se de Vincent, assoprando em sua orelha esquerda. Em seguida, caminhou em direção a Modenesi, tocando-o nos lábios com suavidade. Apenas passou suas unhas tintas de um esmalte escarlate, até alcançar o pescoço do bicheiro. Ela caminhava aparentemente de forma aleatória, mas havia algo em seus movimentos.

- O que há para saberem é que negociei informações, soube dos independentes em troca de um boato a respeito da localização de determinada chácara em Vargem Grande. - a frase que ela revelou, sem muito contar, era suficiente. Quase sussurada. Quase inaudível em meio ao solo de violino e ao tico tico no fubá, que ela cantou acompanhando a execução primorosa de Henry Lee Sung. Seu corpo movia-se como o de Carmem Miranda, embora a negra tivesse consideravelmente mais carne. O que deixaria Modenesi feliz.

Ainda muito bem acomodado, Vincent observa a encenação de Xica da Silva. Ele recebe o assopro em sua orelha esquerda sem fazer um único movimento. Xica da Silva tinha duvidado da senhora de seu amado amante e além disso, a reputação da Toreador a precedia em muito a de Xica da Silva na luta contra a Espada de Caim.

Ao fim da encenação com Bruno e das palavras que denotavam que Xica da Silva tinha denunciado a localização do refúgio Tremere na Vargem Grande, Vincent profere, muito calmo e educado:

-Entendo mademoiselle da Silva. Então vamos juntar um mais um. Você denunciou a localização do refúgio Tremere para a Legião...correto? Afinal de contas quem atacou os Tremere foi a Legião, segundo informações do próprio Primógeno Tremere. Em troca de saber de um ataque dos Independentes aos lobisomens na Floresta da Tijuca. Quais mais informações você conseguiu dos independentes em troca da informação de um dos clãs da Camarilla?

Sorriu gentilmente. Não parecia impressionado com o que Xica tinha feito.

-Devo me preocupar sobre seu conhecimento do meu Refúgio?

Era uma pergunta retórica e não necessariamente precisaria de resposta.

Richard faz um brusco aceno afirmativo para o grandão.

- Só me avisem a hora e o local. Stevie tem meu número.

Parece algo intrigado: ali todos usavam o você mais reservado, mas Filippi usa o tu íntimo, não com a conjugação correta. Não sabe se entende que o xerife é mais informal que a maioria daquela corte num primeiro contato ou se os brasileiros entendem isso de outra maneira. Ainda precisava descobrir o que é "guri" - definitivamente seu vocabulário lusitano não o preparara para o Rio de Janeiro.

Olha para Stevie e concorda com a cabeça, enfiando as mãos nos bolsos e mudando o peso de uma perna para a outra, e inclinando um pouco o tronco para a frente diz no tom mais objetivo:

- Quantos somos na cidade?

Mas não espera a resposta, pois seus olhos atentos fixam-se em outra coisa, e o brujah, movendo-se com uma agilidade espantosa para seu corpo pesado, afasta-se bruscamente dos outros dois. O que Mick vira é sua amiga Emilie, movendo-se irregularmente pelo Elísio, presa provavelmente de um de seus ataques - mas o irlandês não se lembra de tê-la visto assim, em movimentos tão descoordenados e assustados, ao invés da bela dança que a mergulha em suas visões. Aproxima-se dela pelo lado, estendendo os braços na tentativa de afastar qualquer pessoa que tente se aproximar dela, girando por trás e para o outro lado, empurrando com o pé um móvel que fique em seu caminho. E assim que a escuta murmurar, sem nem prestar atenção no que ela diz, envolve-a num abraço tão intenso que poderia ter machucado uma mortal.

- Emilie, estou aqui com você... - sussurra a voz áspera, numa aflição genuína.

Marie-Amélie segue os movimentos de Emilie, sem saber muito bem o que fazer, o que sempre lhe acontecia em torno dos malkavianos. Nunca se sentia confortável com o comportamento deles, seja as brincadeiras infantis e cruéis da primógena de Nantes, seja a bizarra distração da senhora de Emilie ou mesmo as numerosas obsessões do senhor da senhora dela - o escudeiro de Mikael, Matelin de Vannes. Mas de repente o recém-chegado mergulha atrás da garota, e por um segundo a ventrue prepara-se para discutir com ele, até perceber que na verdade o brujah a está protegendo. Quem imaginaria aquele comportamento do grandalhão? Assim, ela apenas segue a um passo de distância, buscando colocar-se na frente da malkaviana para que seja seu rosto conhecido quem ela enxergue - o que de fato acontece.

Mas então o novato - Richard, lembra-se enfim - agarra-se a ela como se quisesse quebrar cada um de seus ossos, e Marie-Amélie avança indignada, tropeçando no idioma:

- Monsieur, que falta de contenance, vai machucar a primogène Blanc! C'est inadmissible!

Mas devia admitir que a atitude do estrangeiro parecia muito íntima. Ficou imaginando de onde os dois se conheciam tão bem assim.

O primeiro instinto defensivo de Emilie é gritar e se debater ao ser quase esmagada pelos braços fortes, mas assim que a voz do irlandês soa em seus ouvidos, e ela consegue fazê-lo afrouxar o abraço depois de ficar se agitando dentro dele, a malkaviana se acalma, até chega a relaxar junto a ele, deixando que a amparasse.
- Mick... Mick... - sussurra ela, lânguidamente, mas logo um lampejo de lucidez toma os olhos castanhos da malkaviana, olhando fixamente para o rosto rebelde - você não é Mick. - diz com uma voz mais séria.

Parece então perceber os protestos de Marie-Amélie, e vira-se para a ventrue, tentando tranquilizá-la.
- Ça va bien... eu estou bem...

Filippi concorda e diz para Stevie:

- A que horas? - mas então Richard se afasta de repente deles, e o grandão no início se preocupa ao notar que ele avança para Emilie, mas como parece protegê-la volta-se de novo para o primógeno, dizendo mais baixo - Tu confia no guri aí? Achei que tu fosse levá-lo para conhecer o Lampião.

Sua atenção, porém, é dispersada quando ouve Emilie gritar. Com um ar subitamente furioso, avança para Richard e chega a dar um empurrão no ombro do companheiro de clã, mas como a garota se acalma e parece relaxar nos braços dele, apenas permanece ao lado, cruzando os braços ameaçadoramente.

- Que porra você pensa que está fazendo - resmunga olhando o irlandês.

Aproxima-se o último passo quando Emilie se volta para Marie-Amélie e tenta tirá-la de dentro dos braços de Mick.

- Está tudo bem agora, pequena... o que houve? Ainda o Falcão?...

Guille ainda mantinha sua atenção em Xica quando uma certa discussão começa, Bruno levanta o questionamento de como a Toreador sabia tanto dos incêndios, e dai ela começa a mostrar sua cara, revelar seu jogo. A discussão sobre a arte que o oriental trazia fica apaziguada, ao menos aos olhos do Delegado, seu tocar no violino era excelente, porém, ainda esperava a resposta de Xica aos questionamentos sobre suas fontes.

E ela começa junto com a música, uma música típica brasileira, era impressionante que o coreano conhece-se-a, era de seus tempos de humano, ainda no Rio. No entanto o show, quem toma era Xica, que rodopiava e dançava, e aparentemente sussurrava que tinha denunciado a Capela Tremere a uma unidade de Lobisomens conhecida como a Legião, seu punho direito se fecha, ele odiava traições, mas sabia no meio de quem estava metido, e mais que isso, sabia que os Tremere não hesitariam um segundo antes de entregá-los.

"- Fica ainda no ar, quantos mais espinhos nossa querida Rosa colocou no peito da Torre de Marfim, que ainda hão de ser sentidos?"

Guille fala para o ar, se conseguisse tirar mais uma informação, uma só que fosse, a arrastaria pelos cabelos e arremessaria aos pés da Príncipe e do Primógeno Tremere.

"- Somos ci..."

E então Mick começa a agir estranho, ele parecia conhecer a Primógena Malkaviana, e ao vê-la presa em um delírio automaticamente pula e a toma em seus braços, ele podia parecer rude, mas conhecendo-o como conhecia, sabia que não havia perigo naquela situação.

"- Pode confiar... já conhecia ele de outras lut..."

Mas novamente é interrompido pela saída abrupta do Xerife, afinal, Emilie gritava, Stevie tenta conter Fillipi pelo ombro mas já era tarde, além do mais, a Primógeno Ventrue estava ali também, estavam num terreno perigoso. O Primógeno Brujah se aproxima e vê que a situação parecia remediada... Mas teria ele escutado o nome Mick? Ela conhecia a identidade original do Anarquista? Aquilo não era bom, mas Fillipi parecia confiar nela, o guitarrista apenas se posiciona, pensando em fazer uma piada com a falta de jeito de Mick, mas deixando passar.

"- Acho que tá tudo sob controle aqui né?"

Stevie olha fixo para Mick, esperando uma explicação dele, mesmo que viesse depois.

Guille faz um comentário sobre Xica que não passa despercebido pelo Primógeno. Vin nada comentou a respeito, na verdade nem se dá ao luxo de fazer um adendo diante das palavras do Secretário do clã. Não era necessário. Voltou seu olhar, que tinha chegado em Guille, para a bela negra que sambara na sala de reuniões, cedida pela Zeladora do Elísio.

Era tão claro como a água mais límpida de um riacho que Victoria iria responder Xica a respeito da possível dúvida de sua fonte de informações. Vincent até poderia defender Victoria, mas ela era uma cainita muito experiente e não precisava de babás que a protegessem. Enquanto aguardava a resposta de Xica, ela recebe a resposta de Victoria, não sem antes de um olhar gentil, mas que expressa um senso matador de um predador prestes a avançar para sua presa.

A resposta de Victoria é direta e agora Xica tinha que responder Vincent e Victoria. Os Tremeres caíram porque foram denunciados por um membro de seu clã. Clã este que Vincent estava tentando se aproximar e criar relações estreitas. Tranquilo, Vincent permanece sentado em sua poltrona muito confortável aguardando as próximas palavras de Xica da Silva. Não estava nem um pouco alarmado pelo que a Rosa tinha feito.

Sentado em sua poltrona, em silêncio, o coreano já havia feito seu papel, executado o violino, se defendido a sua maneira como artista. Agora nada mais tinha a acrescentar.
Apenas reagiu dando um sorriso agradecido a Vincent quando este o elogiou pela pequena apresentação. 'Tico-tico no fubá', inicialmente conhecido por ele como 'Tico tico bird'. Uma música animada que fugia dos clássicos eruditos, mas que sempre trazia boas impressões as todos, especialmente amantes ou descendentes do Brasil. Lembrou-se da primeira vez que ouvira a música, fora nas ruas europeias na primeira vez que visitara o continente com o pai, era tocada por artistas de ruas, que eram provavelmente imigrantes ilegais brasileiros. E assim, logo buscou partituras para aprender aquela melodia contagiante, foram meses de árduo trabalho. Mas nunca imaginara que seria aquela melodia a primeira a tocar no Brasil e que lhe seria útil. porém ainda achava que mesmo feito aquilo no improviso poderia ter feito melhor.
Alheio a conversa que se desenrolava, com um olhar distante, apenas notava que o cenário parecia se complicar para Xica da Silva, o que não era de sua conta. Henry não tinha nenhum vinculo real com ela, era a primeira vez que a via. Logo permanecer em silêncio ali era o melhor que fazia.

Stevie apenas aguardava a resposta de seus companheiros.

Depois daquela resposta de Victoria, Guille decide que seu curso de ação ali seria esperar, a negra estava em maus lençóis, só aguardava ela se enrolar mais.

Bruno permanece impassível, mesmo diante das firulas de Xica, esperando a resposta da negra aos questionamentos sobre suas atitudes.

Emilie deixa-se puxar por Filippi, saindo dos braços de Mick, mas dizendo suavemente.
- Está tudo bem, não brigue com ele.

Os olhos dela giram, reticentes e aturdidos, com a pergunta.
- Eu não sei, eram lobos... vários deles...
E não diz mais nada, sem saber em quais vampiros poderia confiar.

O Primógeno Toreador ainda aguardava as resposta de Francisca da Silva diante de tantas perguntas. Estava muito calmo e tranquilo. Não se movimentava em sua poltrona confortável, mas seus olhos encaravam Xica. Era palpável o silêncio na sala. Todos os outros Toreador também estavam em silêncio sepulcral. Era até hilário que depois de uma magnífica apresentação de seu sobrinho o silêncio tomasse conta de uma reunião Toreador.

Para relembrar que estava esperando as palavras de Xica, Vincent profere de forma calma e com um sorriso carismático no rosto:

-Mademoiselle da Silva?

E ali estava Emilie, se recuperando de um delírio como já a vira fazer outra vez, talvez aquele fosse o problema Malkaviano dela, e as pessoas deviam parar de se preocupar, afinal, ou ela era uma ótima atriz ou muito perturbada.

Aquele longo intervalo antes da resposta de Xica o fazia pensar no que faria com ela como delegado, talvez tivesse que arrastá-la até a Príncipe imediatamente, ou seu Clã poderia ter outras ideias, mas ela definitivamente era uma faca de dois gumes, com a qual eles tinham que tomar cuidado.

Sentado em sua cadeira, o coreano discretamente observava os companheiros. O silêncio recai pelo local enquanto esperam a resposta de Xica. Ele entendia a importância da situação, mas não se importava muito com o que viria de ocorrer com a mulher negra que rebolava, afinal de contas mal a conhecia e tão pouco conhecia a situação que estava envolvida.
Naquele silêncio do local, sua mente começava a preencher o vazio sonoro com possibilidades musicais para o momento, buscando mentalmente alguma música de fundo que viesse dar clima a situação, o completo silêncio o incomodava. Assim, com a mente ocupada com música ficava a esperar se portanto como todos ali, em silêncio, em suas cadeiras, com ar sereno na face como um verniz que recobre a madeira envelhecida do rancor.

Muitas suspeitas, muitas cartas, mas não todas. Por que jogar tudo o que podia, se antes haviam coisas que ela poderia esconder. Coisas que não se aproximavam, mas que poderiam lhe servir bem. Xica não gostava ficar nos bastidores, ela sempre preferia as luzes da ribalta e o espaço que ela tinha nesse instante, diante dos irmãos de clã, era suficiente para atiçar seu ego às alturas. Estava na corda bamba? Sim, mas não era o seu momento de cair. Por quantas vezes ela enfrentará os escravocratas, a igreja, as tradições, rompendo-as com a sua mera existência? Uma frase que ela pronunciava fazia com que as pernas das carolas tremessem, com que o brilho se acendesse embaixo das batinas dos padres, que os sinhozinhos virassem os olhos.

- Meus irmãos, não em troca das informações sobre os independentes. Não apenas. – ela continuava sorrindo, não parecia acuada. Antes, se sentia em casa. Firme em seus propósitos. O silêncio que ela deixou foi mais para aumentar as expectativas dos outros do que para refletir em suas próximas palavras. Entenderiam?

- Senhor Lyon, por que se preocuparia com o endereço do teu refúgio? Não vi, em instante algum, qualquer animosidade da vossa parte para comigo. Estou de pé diante de vós, entregando cartas que poderiam me ser mais úteis em silêncio.

Ela ficava de pé, aproximou-se de Victoria mais uma vez.
- Não agi contra a Torre de Marfim, em momento algum. Agi em meu nome e para facilitar o nosso trânsito, meus irmãos. A Legião é adversária dos lobos da floresta da Tijuca, daqueles mesmos que em algum momento travaram fortes relações com os sangue azul nessa cidade. Ficaram estremecidos, mas essas relações podem ser retomadas. Alianças não são o que nos movem?

Ela continuava se movendo pela sala. Parava diante de cada um, antes de uma frase ou outra. Falava em sussurros, com sua voz aveludada.

- E minha vitae estava nas mãos dos tremere. Conhecendo esses feiticeiros tão bem como devem conhecer, com certeza não o devolveriam mesmo que monsier Vincent Lyon o pedisse. Nem que eu, individualmente, Lyon como primogeno e talvez a própria beldade Victoria Ash ficassem devendo-lhes favores. Minto?

O silêncio que tomava conta da sala de reuniões é quebrado finalmente pela voz de Xica da Silva. Aparentemente ela estava usando aquele silêncio para criar um clima de tensão na sala, um clímax, como nos filmes de suspense e terror. Dera muito certo na opinião de Vincent. Tanto que ele estava prestes a achar que a Toreador estava com medo de falar mais alguma coisa e ser crucificada imediatamente. Os olhares dos outros Toreador denotavam isso, ou era impressão do pintor? O Primógeno permanecia calmo e tranquilo diante das palavras de Xica.

-Não apenas em troca das informações dos independentes, que na minha opinião foram escassas. E quais mais informações você tem para dividir com seus irmãos de clã?

Abriu um sorriso e meneou de leve a cabeça.

-Fico deveras tranquilo diante de suas palavras a respeito do meu refúgio, mademoiselle da Silva. Tenha certeza que nenhuma animosidade virá de mim a nenhum membro do meu clã.

Observou a aproximação de Xica ante Victoria e ficou calado. A senhora de seu ex amante sabia muito bem se virar e não precisaria de ajuda. Pelo contrário, Vincent sentia que Victoria seria a ajuda da qual ele necessitava para que o clã pudesse ascender aos céus do Rio de Janeiro.

-Não tenho certeza a respeito de seu sangue, mademoiselle da Silva. Achei que não estava preocupada com ele. Mas tentar reavê-lo pode surtir frutos muito interessantes para as relações Toreador - Tremere.

Baixou seus olhos para seu braço, puxou a manga do terno e viu o seu relógio. Eram duas da manhã.

-Infelizmente não temos tempo hábil para encontrar o Primógeno Lupinatti ainda esta noite, então mademoiselle da Silva...gostaria que me acompanhasse quando eu for solicitar o seu sangue ao Primógeno Lupinatti na próxima noite. Creio que sua presença neste encontro seja muito importante. Segundo a resposta do Primógeno Tremere, teremos a ideia do que podemos esperar dos Tremeres do Rio de Janeiro.

Olhou para todos os presentes de forma rápida e aguardou manifestações.